Especialistas discutem tipos de projetos que podem avançar em 2022 e quais correm o risco de ser engavetados por conta das eleições
O ano legislativo começa oficialmente nesta quarta-feira (2), mas com senadores e deputados federais de olho no que acontecerá daqui a exatos oito meses, nas eleições de 2 de outubro.
Historicamente, o trabalho no Congresso Nacional é afetado diretamente pela disputa presidencial, nos estados e também pela própria reeleição dos parlamentares.
Especialistas consultados pela CNN acreditam que, em termos de trabalho legislativo, 2022 vai ser bem distinto de 2018. As diferenças começam no retrato dos concorrentes: praticamente a metade da Câmara Federal está no primeiro mandato e irá, também pela primeira vez, em busca da reeleição.
Outro fator que pesa é que apenas um terço do Senado vai para o jogo. Em outras palavras, dois em cada três senadores estão na metade do mandato de oito anos e, por isso, não disputam reeleição – alguns estão se apresentando para outros cargos, como governador e até presidente da República. Mas, na prática, cerca de dois terços da Casa não irão se envolver nas eleições de corpo e alma.
Também deve alterar sobremaneira a disputa deste ano a proibição das coligações nas proporcionais – como já ocorreu há dois anos, para os cargos de vereadores.
Sem a possibilidade de se aliar a outros partidos, as legendas terão de lançar chapas puras, enquanto tentam atingir os votos que as mantenham vivas e financiadas – a chamada cláusula de barreira. Isso tudo em meio às dúvidas de como será o processo de federações (modelo de aproximação entre partidos, que ainda está sendo definido).
Além de esvaziamentos pontuais, também o perfil das votações e negociações muda a cada quatro anos. A liberação de recursos deve se acentuar, enquanto projetos considerados impopulares podem ser escamoteados.
É o caso da reforma administrativa, que corre o risco de continuar parada por mexer com direitos dos servidores. Já a alteração na tabela do Imposto de Renda, que beneficia a classe média, tem mais chances de ser votada.
O início do fim
Graziella Testa, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), faz questão de frisar dois pontos que considera essenciais.
Pondera que, não só no Brasil, o primeiro ano de mandato, tanto presidencial quanto do Congresso, é considerado o melhor para aprovar reformas fundamentais. “A gente brinca que é a lua de mel, quando há apoio popular. No final do mandato isso é mais difícil porque existe um desgaste ao longo do período”, avalia.
Ela também destaca que, ao avaliar a produtividade parlamentar, é preciso considerar que existe o trabalho em plenário, bem mais visível, e a atividade realizada nas comissões, que são “as arenas onde as decisões mais fundamentais do ponto de vista técnico são tomadas”.
Graziella, então, enfatiza que, enquanto a dimensão pública fica esvaziada pela pressão política, o trabalho interno não é paralisado. De todo modo, a expectativa é que não haja uma produção legislativa abundante.
Carolina Venuto, presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), corrobora: “A percepção é de que anos eleitorais são mais encurtados”.
Ela lembra que, neste ano, em relação aos quadriênios anteriores ainda há dois fatores diferenciais: a crise sanitária e a Copa do Mundo, que desta vez será em novembro, depois das eleições.
“Sem dúvida é um ano que que tende a ter uma produção legislativa menor, diferentemente de 2021, em que ambas as Casas aumentaram em quase o dobro os números de 2020, muito por causa das paralisações da pandemia”.
Cientista política e advogada, ela pontua a diferença de ritmo entre as duas Casas. “A Câmara tem uma governabilidade bem mais expressiva. Nossos levantamentos apontam que mais de trezentos deputados votam de forma alinhada com a orientação do governo”, compara.
Em campanha, o presidente Jair Bolsonaro (PL) pode usar essa abertura para emplacar projetos de pautas na área de costumes, exemplifica.
Já no Senado, com menor preocupação eleitoral e base mais acanhada – e ainda com o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) como pré-candidato ao Palácio do Planalto -, o cenário é mais complicado.
Carolina Venuto comenta que um fator determinante é a escolha do novo líder do governo na Casa. Como a CNN apontou, a seleção em ano eleitoral é mais uma dificuldade para Bolsonaro.
Esse encaminhamento é essencial para que projetos de cunho econômico – que interessam ao governo e hoje esperam ser pautados – sejam apreciados pelos senadores.
Período crucial será de março a maio
Apesar de começar em fevereiro e sem eleições para as presidências das Casas, o ano legislativo deve engatar mesmo a partir de março, depois do carnaval – o primeiro mês acabará sendo de organização.
Mas o momento que vai desenhar os rumos do Congresso será em abril, com o encerramento da janela partidária. É o prazo máximo para novas filiações e também para as trocas de siglas de quem pretende disputar o pleito de outubro.
“Em abril vamos ter um cenário mais nítido do que está por vir durante o ano”, enfatiza Carolina Venuto.
Ela também lembra que é o limite para as desincompatibilizações. “Pelas nossas apurações, aproximadamente onze ministros devem deixar os cargos”, conta, acrescentando que isso deve representar uma mudança substancial no primeiro escalão do governo federal.
E mesmo num cenário de desgaste, abrindo brechas para críticas de opositores, Graziella Testa acredita que um dos principais holofotes no Senado no ano passado tem poucas chances de se repetir em 2022.
Para ela, dificilmente haverá uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que mobilize tanto as atenções como foi a CPI da Pandemia.
Na Câmara, uma CPI é vista como quase impossível, diante da proximidade que foi construída entre Bolsonaro e o presidente Arthur Lira (PP-AL).
Perfil de projetos a serem apreciados ainda está em aberto
Para Natália Santana, coordenadora de advocacy na organização Pacto pela Democracia, entre as propostas que têm menor probabilidade de serem discutidas no Congresso neste ano são as que aumentam impostos.
Mas ela considera que, dependendo de como as intenções de voto estiverem sendo observadas, projetos polêmicos, como o de controle de fake news, podem voltar à pauta.
A coordenadora cita ainda que, nos bastidores, uma das iniciativas que podem ser apreciadas nos primeiros meses do ano legislativo é a legalização de jogos de azar.
Também propostas na área ambiental, que atendem uma parcela de apoiadores do governo, teriam chances de avançar no atual momento.
Sobre as diferenças para 2018, ela aponta que não cabem comparações. “Foi uma eleição muito fora da curva”. O momento político, tomado por um discurso antissistema e o fato de o então presidente, Michel Temer, estar fora da disputa alteraram profundamente o cenário.
Creomar Carvalho de Souza, da Dharma Consultoria Política, afirma que outro diferencial em relação à campanha de 2018 é que o Congresso aprendeu a trabalhar remotamente – forçado pela pandemia. Sendo assim, caso quisesse, seria possível conciliar as viagens dos parlamentares às bases e a manutenção do trabalho.
Para ele, embora os anos eleitorais costumeiramente sejam de menor produção legislativa, um fator pode mudar a balança. “Precisamos ver como o Congresso vai internalizar a tentativa de Bolsonaro para melhorar sua imagem”, comenta.
O consultor avalia que, contando com a maioria dos deputados e com os apoios firmes de Arthur Lira e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, simbolizando o Centrão, o presidente pode tentar “mostrar serviço”, colocando em votação projetos que nenhum outro presidente ousaria apresentar em ano eleitoral.
Um exemplo seriam as privatizações, que agradam alguns setores e desagradam outros. “Serão avaliadas caso a caso, sempre de olho nas intenções de voto”, pondera. Assim, o perfil das apreciações dos projetos no ano legislativo pode mudar drasticamente, ao sabor dos rumos políticos.