Falta de documentos básicos dificulta o ingresso ao ensino, trabalho e serviços de saúde. Em 2021, Estado intermediou expedição de mais de 20 mil documentações
CPF, RG, carteira de trabalho, certidão de nascimento e título de eleitor são exemplos de documentos básicos que garantem acesso à cidadania. Mas, na contramão dessa necessidade, muitos detentos e adolescentes em conflito com a lei chegam para o cumprimento de suas sentenças nas unidades prisionais ou socioeducativas administradas pela Secretaria de Estado Justiça e Segurança Pública (Sejusp) , sem seus registros civis, seja porque perderam ou ainda não tiveram acesso.
Garantir o direito fundamental à documentação civil de uma pessoa privada de liberdade também significa possibilitar o acesso a esses espaços, gerando oportunidade de ressocialização.
Diante dessa realidade, o trabalho dos assistentes sociais nas unidades é importante para intervir na garantia da expedição de documentos, que são imprescindíveis para o retorno ao ambiente escolar, a inclusão em um curso de profissionalização, um pleito para uma vaga de trabalho, acesso à rede de saúde, dentre outras necessidades da vida cotidiana.
Parceria
Com o objetivo de promoção da cidadania, em 2021, somente o Departamento Penitenciário Minas Gerais (Depen-MG) emitiu 20.596 documentos pessoais básicos (CPF, RG, certidão de casamento e de nascimento). Neste ano, foram mais de 2.377 registros emitidos na somatória dos meses de janeiro e fevereiro, representando um aumento de 29% em comparação ao mesmo período do ano passado, que foi de 1.839 registros.
Para viabilizar e agilizar a produção dos documentos, o diretor de Saúde e Psicossocial do Depen-MG, Jouber Gabriel, conta que a diretoria tem parceria com a Receita Federal na confecção do CPF e está em processo de finalização do termo de cooperação técnica com a Polícia Civil , para emissão de documentos de identidade na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Uma iniciativa pioneira que facilitará e dará celeridade ao processo de viabilização do documento.
“Com a aplicação do termo com a Polícia Civil, passaremos a fazer as ações de confecção do RG em um posto avançado de identificação, criado dentro da Penitenciária José Maria Alkimin, em Ribeirão das Neves”, revela Jouber.
A diretoria também retomou novas mediações junto à Associação dos Registradores de Pessoas Naturais-ARPEN, para firmar convênio de emissão de Certidões de Nascimento e Casamento das pessoas presas.
Alice Nery, superintendente de Humanização do Atendimento do Depen-MG, acredita que “a documentação civil básica é um instrumento garantidor do exercício da cidadania, sendo de suma importância para o processo de ressocialização da pessoa privada de liberdade, uma vez que permite que a pessoa tenha acesso a diversos serviços e programas públicos existentes, como a saúde, educação, previdência social, trabalho e renda”.
Identidade jovem
Tendo atuado em três unidades prisionais do estado como diretora de atendimento e assistente social, Adriana Cardoso conhece de perto a importância desses documentos para os detentos. E hoje, com seis anos de exercício na Subsecretaria de Atendimento Socioeducativo (Suase), a assistente social, que atualmente integra a equipe multidisciplinar de técnicos do Centro Socioeducativo Santa Terezinha, compartilha que “a necessidade dos registros para os jovens acautelados é igualmente relevante”.
Augusto*, que cumpre medida de internação no Centro Socioeducativo Santa Terezinha, fará 18 anos em setembro e está inserido na próxima turma de capacitação profissionalizante do projeto Jovens Profissionais do Futuro (JPF), desenvolvido graças a uma parceria da Suase com a Rede Cidadã. Quando finalizar o curso, a equipe pretende incluir o adolescente, que busca sua primeira experiência no mercado formal de trabalho, no Programa de Incentivo à Aprendizagem de Minas Gerais – Descubra!, para auxiliá-lo na conquista do primeiro emprego. Nada disso seria possível se Augusto* não tivesse os seus documentos pessoais básicos. Entretanto, foi assim, sem nenhum deles, que ele chegou à unidade.
Desde o início da internação, a equipe ajudou o jovem a ter acesso ao seu CPF, RG, Certidão de Nascimento, Carteira de Trabalho e, como este ano ele passa a ter a obrigatoriedade do voto, também irá tirar o título de eleitor, além do Certificado de Reservista, que passa a ser exigido depois dos 18. “A documentação facilita a minha vida, em tudo: emprego, escola e profissionalização”, compartilha Augusto*, que sonha ser engenheiro mecânico.
A superintendente de Atendimento ao Adolescente da Suase, Erika Vinhal, acredita que “muito mais do que um documento, o registro civil é o fio condutor para operacionalizar o direito fundamental de ser reconhecido como cidadão perante o Estado. A partir daí, no sistema socioeducativo, o adolescente tem maior facilidade para inserção nos eixos de trabalho, especialmente a formação profissional, com a devida certificação, e possível encaminhamento para o mercado”.
Cynthia Águido, diretora de Orientação Socioeducativa da Suase, também destaca o importante trabalho que as equipes das unidades realizam junto aos jovens para que eles compreendam a importância da documentação civil e para o quê ela é necessária no dia a dia. “Não é raro recebermos adolescentes que nunca viram sua certidão de nascimento, que não têm RG e não sentem falta, porque não sabem para que servem. Então, garantir a documentação civil é, também, um processo pedagógico de exercício da cidadania”, conta a diretora.
*Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos adolescentes, segundo determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).