Durante um experimento que caminha no limite do que é ético, cientistas infectaram, de forma proposital, pessoas saudáveis com o coronavírus SARS-CoV-2.
A ideia era entender o quanto de vírus era necessário para que a infecção ocorresse e compreender a evolução natural da covid-19. Dos 34 voluntários jovens, ninguém desenvolveu a forma grave da doença.
Publicado na plataforma In Review, o preprint — estudo ainda não revisado por pares — foi desenvolvido pelo Human Challenge Program. A iniciativa agrupa cientistas de diferentes centros de pesquisa, como o Imperial College London, no Reino Unido.
Contaminação proposital da covid-19
O estudo que previa a contaminação proposital pela covid-19 recrutou, no total, 34 voluntários saudáveis com idades entre 18 e 30 anos. Nenhum dos participantes havia sido infectado pelo coronavírus e nem recebeu uma vacina contra a covid-19. Além disso, ninguém tinha anticorpos contra a infecção, segundo os autores do estudo.
Cada uma dessas pessoas recebeu uma solução, em gotas, do coronavírus no nariz. A ideia foi simular a mesma quantidade de vírus identificada em uma única gota do fluido nasal de uma pessoa infectada no ponto em que se está mais infecciosa.
Após a exposição, 18 dos voluntários foram infectados, de acordo com os resultados dos exames. Desse total de contaminados, 16 desenvolveram sintomas leves ou moderados da covid-19, como dor de garganta, dor de cabeça, dores musculares e articulares, fadiga e febre.
Além disso, 13 deles perderam o olfato (anosmia). Para a maioria (10 pessoas), o olfato voltou ao normal em até três meses. No entanto, três casos foram atípicos e ainda não voltaram ao estágio pré-infecção. Eles ainda serão acompanhados, no total, por 12 meses.
Curiosamente, “não houve sintomas graves ou preocupações clínicas em nosso modelo de infecção por desafio de participantes adultos jovens saudáveis”, explicou Christopher Chiu, pesquisador-chefe do estudo e professor do Imperial College London, em comunicado.
Como a infecção evolui?
Durante o estudo, a equipe de pesquisadores coletou amostras da garganta e nariz dos participantes duas vezes ao dia e calcularam a quantidade de vírus viável ou infeccioso presente, usando testes do tipo RT-PCR e ensaios laboratoriais.
A partir desse acompanhamento, foi possível observar que o período médio de incubação — intervalo entre a exposição inicial até a primeira detecção do vírus por meio de testes — foi de 42 horas. Inicialmente, o vírus foi encontrado na garganta. Após 58 horas de exposição, a equipe o identificou no nariz.
Também foi possível observar que os sintomas se desenvolvem, em média, dois dias após o contato com o vírus. O pico da infecção pelo coronavírus tende a ocorrer cinco dias após o contato inicial, quando mais partículas virais são encontradas tanto no nariz quanto na garganta. Em seguida, começam a decair.
Próximos testes
Agora, os cientistas planejam investigar o porquê de alguns participantes não se infectarem pelo coronavírus. Para ser mais preciso, foram 16 voluntários que passaram ilesos pela exposição ao agente infeccioso e, por isso, devem ter algumas vantagens naturais contra a doença.
Outra questão é investigar como outras variantes podem afetar a evolução da covid-19. Isso porque foi utilizada uma versão do vírus original, descoberto em Wuhan, na China, mas com algumas mutações na proteína spike (S) da sua membrana.
“Do ponto de vista da transmissão do vírus relacionada às cargas virais muito altas, é provável que estejamos subestimando a infectividade porque estávamos usando uma cepa mais antiga do vírus. Com uma cepa mais nova, pode haver diferenças em termos de tamanho de resposta, mas, em última análise, esperamos que nosso estudo seja fundamentalmente representativo desse tipo de infecção”, completa o professor Chiu.
Fonte: In Review e Imperial College London